terça-feira, 1 de dezembro de 2009

‘Os policiais tinham a intenção de me matar’

Jovem que acusa PMs de tortura, extorsão e abuso sexual revela os momentos de horror que passou dentro da viatura e as humilhações que sofreu na Estrada das Paineiras
 
Com dores no ouvido e tontura, por causa do tiro de fuzil que lhe feriu o rosto, a vendedora H., 21 anos, relatou ontem os momentos de horror que passou na sexta-feira. Ela acusa dois policiais militares de roubo, tortura, estupro e tentativa de homicídio.

H. contou que seguia para a casa de sua mãe quando foi abordada pelo soldado Rodrigo Nogueira Batista, 30, e o cabo Marcelo Machado Carneiro 40, ambos lotados no 1º BPM (Estácio). “Eu estava indo para a casa da minha mãe, levando o dinheiro (R$1.700) para ela guardar. Estava juntando o dinheiro há três meses, para as festas de fim de ano”.

Segundo H., os policiais a obrigaram a entrar na viatura. “Eles me pegaram perto da estação do Metrô do Estácio. Disseram que iam me levar para a delegacia. No caminho passaram por uma Blazer de supervisão da PM, mas não sei se me viram dentro da viatura. Trocaram de veículo e seguiram comigo num Gol branco”.

A vendedora conta que foi torturada até chegar a Estrada das Paineiras, no Alto da Boa Vista. “No carro, me davam tapas na cara. Diziam que eu era mulher de traficante. Queriam dinheiro para me soltar. Os policiais tinham intenção de me matar. Quando entraram no carro tiraram a farda, ficaram só de camiseta branca, não queriam que eu visse o nome deles”.

H. diz que passou os piores momentos de sua vida quando desceu do carro. “Eles me deram chutes no rosto. Depois começaram a passar a mão nos meus seios e nas minhas partes íntimas. Gritavam que eu ia morrer. Depois perguntaram se eu sabia rezar e mandaram eu fechar os olhos. Nessa hora fizeram o disparo no meu rosto. O impacto me fez cair da ribanceira. Fingi que estava morta”, relatou a jovem.

De acordo com a vítima, os policiais utilizaram uma lanterna para verificar se ela estava realmente morta. Depois retornaram ao local para ter certeza. “Eu me agarrei à vegetação e comecei a subir. Percebi que eles estavam voltando, tive que ficar paralisada. Ouvi eles dizendo que eu estava morta”, lembra H.

Depois que os policiais foram embora, ela foi socorrida por um ciclista. A vendedora diz que teme pela segurança de sua família. Ela pretende processar o Estado. “Estou apavorada. Tenho um filho de um ano e estou com muito medo. Não sei em quem posso confiar. Nunca mais entro num carro de polícia. Quero que eles sejam punidos. Eu vou processar o Estado, quem deveria proteger está matando”.
 
Jovem fará acareação com algozes

Nos próximos dias, H. poderá reencontrar seus algozes para uma acareação. “Seria primordial para a investigação”, disse o delegado Fernando Reis, titular da 6ª DP (Cidade Nova). O namorado dela também deve ser chamado a depor.

O policial requisitou ontem à Polícia Militar o mapa do GPS da viatura usada pelos acusados, para traçar a trajetória desde o momento em que a vítima foi abordada até quando ela foi trocada pelo carro de um dos PMs. Foi nesse último veículo que a vendedora foi levada para o Alto da Boa Vista, onde foi baleada. Para o delegado, ainda não foi esclarecido o motivo que levou os PMs a tentarem assassinar a jovem.

Mário Sérgio: ‘Eu pensava que já tinha visto de tudo’
 
O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, se disse escandalizado com o crime atribuído ao cabo e ao soldado. “Infelizmente, é um caso horroroso, escandaliza a todos nós. O estado investe, paga e prepara os policiais. Depois, dá carteira, farda e pede que algeme marginais, e acontece exatamente o contrário. A gente não vai permitir que esses pretensos, falsos policiais maculem o trabalho que outros tantos bons estão fazendo”, afirmou.

O comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, classificou o caso como absurdo. “É tão absurdo que, se pensarmos no fato, não acreditamos. Eu pensava que já tinha visto de tudo, mas fico estupefato diante de uma barbaridade como essa. Os policiais estão sendo acusados de fatos graves, suficientes para que, se fossem julgados hoje, fossem excluídos da corporação. Mas temos que esperar até o fim do processo disciplinar”, afirmou.