segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

FRAUDES NA MONOGRAFIA

Universitários compram monografias e cometem fraude para obter diploma

Herculano Barreto Filho, Diário de S.Paulo

SÃO PAULO - Universitários sem tempo ou competência para fazer o trabalho de conclusão de curso estão recorrendo a uma alternativa ilegal para colocar o diploma na parede da sala. Eles compram uma monografia pronta e cometem crime de falsidade ideológica, que pode resultar em pena de até cinco anos de prisão, de acordo com o artigo 299 do Código Penal Brasileiro. A compra é feita pela internet.

Na prática, no entanto, a história é bem diferente. Quando a fraude é descoberta, a punição quase sempre se limita à reprovação do aluno. Em situações mais graves, o estudante é expulso.

Até o governo federal lava as mãos. O Ministério da Educação (MEC) se mantém distante desse problema. Segundo o coordenador de Orientação e Controle da Educação Superior do MEC, Jorge Augusto Gregory, a pena mais grave seria a expulsão.

- Cabe ao professor-orientador e à banca examinadora não aprová-lo. Não é o MEC que tem que apurar ou aplicar penalidade - afirma.

É impossível saber quantos profissionais ingressaram no mercado de trabalho burlando o sistema educacional no país. Dentro das universidades, os professores estão mais preparados para combater casos de plágio com o auxílio da internet. Basta colocar um trecho da monografia sob suspeita no "Google" (site de buscas) para saber se a pesquisa foi feita por outro autor. Porém, para alguns professores, a venda de trabalhos inéditos é novidade.

A inexistência de uma lei específica que proíba a prática e a possibilidade de lucro rápido incentivam a multiplicação de ofertas pela internet.

- A empresa que comercializa monografias não está cometendo delito. Isso seria contra a moral, mas não seria um crime", diz o advogado Carlos Vieira Cotrim, especializado em direitos autorais.

Dezenas de sites são encontrados com facilidade pela rede, anunciando serviços de venda de monografias, trabalhos escolares, dissertações e teses de mestrado.

'Ela pensou que ia se dar bem'

A professora Maria Aparecida Caltabiano, do curso de Letras da PUC, descobriu recentemente um caso de fraude. No primeiro semestre, ela desconfiou do trabalho de conclusão de uma aluna.

- Ela pensou que ia se dar bem com um trabalho comprado. Estava querendo me enganar - diz a professora, com 20 anos de experiência.

Maria Aparecida conta que a estudante alegou dificuldades para escrever o projeto e decidiu mudar de tema.

Quando a aluna apresentou uma prévia do trabalho, a professora ficou alerta.

- Ela trouxe um trabalho com uma linguagem diferente, e eu lhe enviei um e-mail perguntando por que ela tinha mudado de estilo. Aí ela escreveu se desculpando, dizendo que tinha pago R$ 700 por aquele trabalho - lembra.

Maria Aparecida admite que nem sempre é possível descobrir a fraude.

- Às vezes a gente percebe que não foi o aluno quem fez, mas não tem como provar. Aí ele se forma mesmo assim.

Como funciona o esquema

O 'Diário de S.Paulo' se aproveitou do anonimato da internet para obter informações, como se fosse um universitário prestes a concluir um curso de ensino superior. Em seguida, foram feitos contatos telefônicos - todos gravados. Um relatório dos diálogos com os atendentes das empresas foi entregue ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público.

Com R$ 400, é possível comprar um trabalho de 40 laudas. Se para alguns alunos é uma pechincha, em troca da "garantia" de erguer o canudo sem ter escrito uma linha, representa um prejuízo incalculável para a educação no país.

A promessa de um produto de qualidade seduz os estudantes, assombrados pelo fantasma de produzir um texto longo e bem embasado. Em alguns casos, as empresas oferecem até mesmo CNPJ para convencer o cliente de sua "seriedade".

Os sites ainda fazem campanha contra o plágio para transmitir a idéia de que seus trabalhos são exclusivos e inéditos. É uma isca para atrair clientes, com a promessa de que o texto será feito por mestres especializados no assunto da pesquisa. Identificados como "elaboradores", eles são recrutados com anúncios no próprio site.

O responsável pela produção da monografia é uma espécie de "ghost writer" (escritor-fantasma em inglês). A relação com o cliente é intermediada pelos atendentes. Não há contato direto com os "elaboradores", que ficam protegidos pelo anonimato.

O repórter do Diário acertou a compra de monografias com duas empresas. O primeiro acordo foi com o site "Monoweb". Na negociação, ficou combinado o pagamento de uma parcela de R$ 200, referente à metade do trabalho. Mas após o depósito ser efetuado, em um novo contato telefônico, a atendente se desesperou ao ser questionada se a prática constituía crime de falsidade ideológica e decidiu desfazer o negócio. Ela pediu os dados da conta do cliente e devolveu o dinheiro.

O negócio foi fechado com a "Monografias On Line." O repórter se fez passar por estudante e aceitou pagar R$ 153, um terço do valor total, como sinal. Depois da confirmação do depósito, a empresa forneceu um login com senha para acesso ao site. A ferramenta possui caixa de mensagens e um chat para conversar com o "elaborador."

O repórter pediu a entrega de uma prévia até 1 de outubro, mas o esboço só veio com uma semana de atraso, após o "aluno" alegar que estava sendo pressionado na faculdade.

O "elaborador" do trabalho se identificou como Wesley Ribeiro. Apesar de não ter sido encontrado para bate-papo nas duas semanas entre a compra da monografia e a publicação da reportagem, ele enviou três mensagens para dizer que estava produzindo o material.

A prévia tinha modelos de capa, introdução, sumário e resumo. E até um modelo de agradecimento: "De um modo muito especial ao Professor (espaço para o nome), que me orientou na conclusão deste trabalho." Mas só uma página de conteúdo, e ainda com erro de português.