segunda-feira, 11 de março de 2013

CALIBRE 7,62mm VERSUS 5,56mm

O debate sobre o tema que aqui trazemos está na ordem do dia em diversos países e também por cá. No meio militar a questão não é pacifica. Aquilo que parecia uma verdade adquirida - o uso do calibre 5,56mm - veio a ser posta em causa sobretudo com a experiência do Afeganistão - mostrando que o calibre 7,62mm não morreu. Como em muitas coisas nesta vida deve-se contudo ter cuidado com as verdades absolutas. Nada melhor do falar com quem sabe e tentar ir além das generalidades e ideias feitas.

Como é sabido as Forças Armadas Portuguesas foram equipadas com a espingarda automática HK G-3 calibre 7,62 mm depois do inicio da guerra em África nos anos 60 do século XX. Viríamos aliás a fabricar sob licença esta espingarda em grandes quantidades, estima-se que cerca de 300.000. Terminado o conflito e não havendo (já nessa altura) decisões sobre uma nova arma para as Forças Armadas, nos anos 80, o Corpo de Tropas Pára-quedistas da Força Aérea adquiriu em Israel, 3.550 espingardas automáticas Galil calibre 5,56mm. Anos mais tarde, um lote relativamente pequeno (1.049 armas) de SIG SG 543, calibre 5,56mm, de origem suíça, foi fornecido ao Centro de Instrução de Operações Especiais e ao Centro de Tropas Comandos do Exército, ramo para o qual, entretanto, os pára-quedistas foram transferidos e com eles as suas Galil 5,56mm. Por seu lado o Destacamento de Ações Especiais do Corpo de Fuzileiros da Marinha equipou-se desde cedo com armas calibre 5.56mm, sendo as últimas as HK G-36, o mesmo vindo a fazer em anos mais recentes a Força Aérea para equipar a sua Unidade de Proteção da Força. A HK G-36 5,56mm também existe em números reduzidos na Policia de Segurança Pública e na Guarda Nacional Republicana, tendo esta última comprado inicialmente esta arma para a missão no Iraque em 2003. É este o panorama, em linhas muito gerais e sem entrar em grandes detalhes, da situação atual em Portugal.

Como este debate sobre o calibre 7,62mm versus 5,56mm, está muitas vezes eivado de preconceitos e algum desconhecimento, entrevistamos um militar que está bem familiarizado com os calibres 7,62mm e 5,56mm NATO. Na realidade, Miranda Neto colaborador do Operacional, já leva mais de 27 anos de serviço militar no ativo e está muito ligado a esta temática, quer como utilizador (sempre lidou com estes calibres, bem como outros de que são exemplo o 5,7×28mm, 4,6×30mm, .338″; 9×19mm; 9mm curto, 7,62×39, 7,62×54R e 12,7×99mm), quer como estudioso da matéria.


P: O que tem a referir sobre o alcance, precisão e poder de paragem de uma munição standard 5,56 mm NATO? E a nível de perfuração?

R: Antes de abordarmos a temática do alcance, precisão e poder de paragem do 5,56 NATO (será mais correto chamar-lhe poder de incapacitação de um alvo humano), convém em primeiro lugar clarificar alguns pontos que podem ter interesse para os leitores:

Quando nos referimos ao calibre 5,56×45mm NATO, estamos a falar de uma munição designada por SS-109 ou M855 (em Portugal FNM m/369), não confundir com uma outra munição 5,56×45mm NATO que se designa por M193 (em Portugal FNM m/366) mas que ainda é utilizada pelo Exército Português nas espingardas Galil. De acordo com o STANAG 4172, a SS109 é a munição standard dos países da NATO e em muitos outros países não membros desta organização. 

Convém realçar o facto que a munição 5,56 M193 foi concebida tendo em vista o seu uso em alguns tipos de armamento já considerados obsoletos mas que ainda utilizam essas munições, nomeadamente as espingardas M16 A1, Galil, Famas F1 e a H&K33. Contudo, é possível, mas não recomendado, disparar este tipo de munição nas modernas espingardas de assalto de que são exemplo a M16 A2, M4 e HK G36, uma vez que o ponto de impacto e alcance (-16%) irão ser diferentes do comportamento observado com a munição SS109. Saliento o facto desta temática ser quase totalmente desconhecida dentro das nossas Forças Armadas, sobretudo quando já existem alguns números de espingardas HK G36 e metralhadoras HK MG4 no seio das nossas FA’s e nas Forças de Segurança. O facto de se disparar munições inadequadas ou de fraca qualidade (não obstante serem do mesmo calibre) provoca sérias alterações nos comportamentos dos projéteis em voo com consequências graves no alcance e nos efeitos terminais.

Reveste-se de particular importância desmistificar de imediato as inverdades sobre a ineficácia do calibre 5,56 que têm vindo a ser veiculadas de modo generalista por “especialistas curiosos”, rumores esses que não correspondem totalmente à verdade. O 5,56 é na realidade uma munição bastante incapacitante desde que a bala atinja um alvo humano a uma velocidade superior a 800 metros/segundo (valor de referência aproximado). Acima desta velocidade e tratando-se de um projétil “spitzer” contendo no seu interior duas cargas compostas por um núcleo de chumbo (ou liga de cobre) e um penetrador em aço, ao atingir tecidos vivos têm a tendência para desviar-se da trajetória original e atingido os 90º de inclinação, o stress sobre a bala ao percorrer um meio denso (tecido) irá superar a integridade estrutural da mesma e começará a fragmentar-se a começar pela zona da canelura, sendo que a produção de fragmentos será tanto maior quanto for a velocidade do projétil. Estes fragmentos podem dispersar-se através da carne e do osso causando ferimentos internos muito superiores ao diâmetro da bala.

Contudo e, como referido anteriormente, esta fragmentação está altamente dependente da velocidade do projétil e, portanto, do comprimento do cano da arma, sendo que espingardas de cano curto geram menos velocidade inicial que espingardas dispondo de canos mais longos. O que se passa na realidade é que os militares (sobretudo das forças especiais e operações especiais) têm a tendência para utilizar espingardas com canos curtos e tais canos não permitem que os projéteis alcancem velocidades altas o suficiente para produzir os efeitos incapacitantes, nomeadamente a desejável fragmentação do projétil ao atingir um corpo humano. Para colmatar este problema as Forças Especiais dos EUA foram recentemente autorizados a utilizar munições 5,56 e 7,62 especiais designadas respectivamente por MK318 Mod.0 e MK 319 Mod.0 SOST (Special Operations Science & Technology), para serem utilizadas em espingardas dispondo de canos de menor comprimento.

A nova munição em uso nalgumas unidades dos EUA visa colmatar a falta de incapacitação de um alvo humano devido à menor velocidade das balas imposta por canos de espingardas curtas.
Ao nível da perfuração, o projétil SS-109 pode penetrar uma placa de aço NATO Standard com 3,45 milímetros de espessura a 640 metros de distância, contra 620 metros usando o projétil 7,62×51mm NATO. Os resultados de penetração num capacete de aço dos EUA são ainda mais impressionantes, o SS-109 consegue obter uma penetração até aos 1300 metros, contra 800 metros do projétil 7,62×51mm NATO. Curiosamente e quando ambos calibres são testados contra barreiras e fortificações o 7,62×51mm NATO consegue superar por grande margem o 5,56×45mm NATO (a explicação é fácil, ao contrário do 5,56 o 7,62 tem um coeficiente balístico maior, logo transmitirá mais energia cinética ao alvo que se coloque perante a sua trajetória).


P: E referente a uma munição, também ela standard, de calibre 7,62 mm NATO?

R: São bem conhecidos os efeitos dos projéteis 7,62 NATO. Este calibre apresenta um coeficiente balístico bastante superior e é capaz de alcançar o dobro da distância da munição 5,56 NATO. Contudo e comparativamente com a munição 5,56 NATO, estas últimas por vezes conseguem perfurar materiais que o 7,62 NATO não consegue, exemplo disto são as placas de polietileno usadas em coletes anti-bala (recordar que o projétil 5,56 NATO dispõe na sua parte posterior de um penetrador em aço). Obviamente se testasse-mos um projétil 7,62mm com as mesmas características do SS109 os resultados seriam obviamente outros.


P: Que considerações pode fazer sobre equilíbrio entre o poder vulnerante/penetrante e o poder de incapacitação de um ser humano de cada uma das referidas munições NATO?
R: São vários os factores envolvidos, nomeadamente a composição, formato e velocidade com que um projétil chega ao alvo, da resistência do alvo à penetração e sobretudo da zona do corpo atingida. O 7,62 NATO dotado de maior diâmetro e coeficiente balístico, é à priori aquele que a distâncias superiores a 300 metros, maior penetração conseguirá obter num alvo humano e como se trata de um projétil de maior diâmetro também provocará um ferimento de maiores dimensões. O projétil do 5,56 NATO (SS-109) conseguirá, a distâncias mais curtas, obter melhores performances na incapacitação de um alvo humano, desde que o comprimento do cano da arma seja tal que permita que o projétil alcance o alvo a uma velocidade superior a 800 m/seg. Nestas condições, as distâncias em que é possível obter uma fragmentação do projétil 5,56mm poderá variar entre os 20 e os 150 metros (em função do comprimento do cano/velocidade da bala), surgirão os desejáveis efeitos em termos de incapacitação. Em projéteis 5,56mm que viajem a velocidades inferiores a 800 m/seg não ocorrerá o efeito de fragmentação.


P: Consegue a munição 5,56 mm garantir um poder supressivo suficiente?

R: Sem dúvida. Recordar que um combatente consegue transportar facilmente 300 munições 5,56mm com um peso aproximado de 5kg. Para Unidades que atuam mais isoladas (forças especiais, sobretudo pára-quedistas e operações especiais) pode ser muito importante dispor-se de um maior número de munições por homem, sendo que se consegue um melhor poder de fogo supressivo quando se utiliza de modo combinado diferentes armamentos e munições.


P: Será o calibre 7,62 mm NATO, um calibre excessivamente potente?

R: De modo algum. O forte salto e recuo característicos de um disparo de 7,62 que sentimos nas nossas velhinhas HK G3 são coisas do passado, pois existem armas de que é exemplo a HK 417 e com a qual os efeitos resultantes da “potência” da munição são minimizados pelas soluções tecnológicas entretanto desenvolvidas e incorporadas nestes armamentos modernos.

O superior coeficiente balístico do 7,62 NATO é muito útil em zonas com vastos campos de tiro, sobretudo para distâncias além dos 300 metros e também para derrotar obstáculos que o adversário possa usar para se proteger. Convém referir que em termos militares, mais concretamente nas questões do armamento ligeiro e seu potencial destrutivo, não existe nada excessivamente potente. Contudo e no respeitante ao trabalho policial, o uso do calibre 7,62mm, dada a sua capacidade de penetração, corre-se o risco de hiper-penetração de um alvo pelo que o seu uso tem de ser bem ponderado de modo a evitar-se danos colaterais indesejáveis. 


P: Qual dos calibres reúne mais condições de sucesso para o desempenho de uma missão?

R: Este ponto é algo complexo e sempre alvo das opiniões mais diversas, sendo certo que a escolha do armamento e tipo de munição poderá influenciar o sucesso da missão. A opinião geral mais aceite é de que os dois calibres têm as suas vantagens e inconvenientes, sendo que a opção de escolha deve ser sempre feita em função do treino do soldado, do emprego operacional, capacidade da arma e especificidades logísticas de cada Força. Não é de todo descabido usar-se os dois tipos de calibres na mesma missão, novamente, tudo depende do terreno e do tipo de ameaça. Para reforçar este ponto, muitas unidades dos EUA e da Europa já aprenderam a usar e a tirar o melhor partido destes dois calibres, sendo que não é difícil observar-se Secções de atiradores utilizando ambos calibres, p.e., Secção de 13 homens armados do seguinte modo: duas metralhadoras ligeiras 5,56 ou 7,62, três espingardas assalto 5,56 com lança granadas 40mm, duas espingardas 7,62 com alças ópticas (capazes de bater alvos a maiores distâncias) e finalmente seis espingardas 5,56 para os restantes elementos da Secção.

Como nota final, há que salientar que um determinado calibre subentende uma determinada arma, os tipos de munições e não menos importante o atirador, trata-se assim de um SISTEMA que se não pode ser dissociado.

FONTE: http://www.operacional.pt/calibre-762mm-versus-556mm/