Advogado morto em rebelião como refém já é considerado pelo Vaticano ‘servo de Deus’
Depois de Frei Galvão, o Brasil pode ter o seu segundo santo nascido em solo nacional — o primeiro leigo, já que era muito ligado à Igreja Católica mas não era ordenado.
Franz de Castro Holzwarth nasceu em Barra do Piraí, no Sul do Rio. No último dia 6, o Vaticano autorizou a abertura do processo de canonização do advogado, que se destacou por defender presos no interior paulista. A canonização se daria por martírio — quando o candidato passa por sofrimento extremo e chega a perder a vida no testemunho da palavra de Cristo — e não por milagres.
Franz de Castro Holzwarth nasceu em Barra do Piraí, no Sul do Rio. No último dia 6, o Vaticano autorizou a abertura do processo de canonização do advogado, que se destacou por defender presos no interior paulista. A canonização se daria por martírio — quando o candidato passa por sofrimento extremo e chega a perder a vida no testemunho da palavra de Cristo — e não por milagres.
Em 14 de fevereiro de 1981, aos 38 anos, Franz foi morto em rebelião na cadeia pública de Jacareí (SP). Ele fora chamado para mediar o motim e se ofereceu para ficar como refém no lugar de um policial militar. Franz, um PM e três presos foram surpreendidos por tiroteio na saída do presídio. O veículo que seria usado na fuga, uma Belina, foi metralhado. Franz foi atingido com 30 tiros.
O bispo da Diocese de São José dos Campos (SP), Dom Moacir Silva, responsável pelo processo de canonização, não pode dar declarações devido ao sigilo das investigações. No dia 6, porém, quando nomeou tribunal diocesano para ouvir testemunhas sobre a “trajetória de vida de Franz, similar à de um mártir”, ele postou mensagem na Internet: “Franz deu sua vida, derramou o seu sangue em busca de paz, fruto da Justiça, como fez Jesus Cristo”. Mês que vem, o tribunal começará a tomar depoimentos de parentes e pessoas que conviveram direta ou indiretamente com ele.
Foi em São José e em Jacareí, no Vale do Paraíba, que Franz viveu quase a metade de sua vida. Lá, ganhou notoriedade por ajudar presos pobres a se reintegrar à sociedade, principalmente através da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), da qual era um dos fundadores e vice-presidente.
Conforme um dos advogados do processo, Mário Ottoboni, que foi amigo de Franz e uma das testemunhas de sua morte, a beatificação não deverá ser demorada, pois para a classificação de santo mártir não é preciso a confirmação de milagres. A Santa Sé, em Roma, que já havia concedido o título de Servo de Deus (candidato a santo) a Franz, com base em estudos de documentos e 30 entrevistas, deverá se pronunciar até o fim do ano.
“O Papa Bento XVI é quem dará o veredicto. Com certeza, teremos o primeiro mártir dos presos da História da Igreja ”, confia Ottoboni, autor do livro ‘O Mártir do Cárcere’. O processo de beatificação do advogado foi solicitado ao Vaticano em 1991, mas só agora entrou na fase final. De acordo com os trâmites, os restos mortais de Franz, enterrados no Cemitério Santa Rosa, em Barra do Piraí, deverão ser exumados em junho. Os ossos são relíquias importantes, que a Igreja faz questão de preservar como objeto de culto e para provar a existência do santo.
Em Barra do Piraí, a possível santificação de Franz é vista com otimismo e euforia por parentes, amigos e moradores. “Para nós, meu irmão já é santo. Mas, se houver confirmação do Papa, melhor ainda. É um justo reconhecimento por sua luta em prol das questões carcerárias”, orgulha-se o servidor Peter Paulo de Castro Holzwarth, 62. Franz era o mais velho de cinco irmãos. O pai, um mecânico que tinha o mesmo nome de Franz e morreu aos 89 anos, veio para o Brasil na miséria, em 1920, logo após a Primeira Guerra, para trabalhar em fábrica de fitas em Barra do Piraí.
Anos depois, casou-se com Dinorah, hoje com 90 anos, há dois em coma em decorrência de doença degenerativa. A família ajudou a construir a Igreja de Santa Terezinha, no bairro de mesmo nome, ao lado de onde morava. “Ele trazia presos em liberdade condicional para rezar aqui e passava feriados e fins de semana dentro de cadeias pregando a palavra de Deus”, conta Nilson Nunes, 69, cunhado de Franz.
Comoção com o sofrimento de presos
Franz começou a se interessar por advocacia trabalhando num cartório. “Aos 20 anos, mudou-se para a casa de uma tia, em Jacareí, onde se formou em Direito, sonhando em atuar em causas cíveis”, lembra Sônia Maria, 66, irmã de Franz. Certa vez, ele foi chamado para aplicar um curso de crisma na cadeia pública de São José, quando fez questão de falar aos presos de dentro das celas.
“A partir daí, impressionado e comovido com o sofrimento moral e espiritual dos detentos, passou a defendê-los nos tribunais”, conta outra irmã de Franz, Ruth Maria, 56. A peça ‘Servo por Amor’, encenada por 30 jovens da comunidade, começou a percorrer as dioceses de Barra do Piraí e São José.
Milagre de reabrir UTI atribuído a Franz
Há quem garanta que Franz já faça milagres, apesar de sua comprovação não ser necessária. “A UTI da Santa Casa estava fechada por falta de verbas há seis anos. Pedi com muita fé para que ele intercedesse. Incrivelmente, autoridades se prontificaram a ajudar, e a unidade foi reaberta dia 6, recebendo 17 pacientes recém-operados de doenças graves. Um milagre!”, acredita o diretor do hospital, Francisco Cruz de Oliveira, 74.
O prefeito de Barra do Piraí, José Luiz Anchite, 65, foi vizinho e amigo de infância de Franz. “Talvez tenha sido a pessoa mais especial, inteligente, estudiosa e caridosa que conheci”, resume. Além de uma rua, Franz empresta seu nome à casa de custódia de Volta Redonda.
Prêmio Franz de Castro Holzwarth
O prêmio Franz de Castro Holzwarth foi criado no dia 8/12/1982 pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, para laurear, anualmente, aqueles que se destacam na defesa dos direitos humanos. O nome Franz de Castro Holzwarth é uma homenagem ao advogado inscrito na Seccional Paulista da OAB em 14/7/1968, e que dedicou sua vida aos oprimidos, especialmente aos encarcerados. Dentre os laureados:
José Gaspar Gonzaga Franceschini (1983);
José Carlos Dias (1984);
Heleno Fragoso (1985);
Padre Agostinho Duarte de Oliveira (1986);
Paulo César Fonteles de Lima (in memorian - 1987);
Ulisses Guimarães (1988);
Vanderlei Aparecido Borges (1989);
Fábio Konder Comparato (1990);
Maria Elilda dos Santos (1991);
Caco Barcelos (1992);
Herbert de Souza (Betinho - 1994);
Vicente Paulo da Silva (Vicentinho - 1995);
Dom Paulo Evaristo Arns (1996);
Henry Sobel (1997)
Hélio Pereira Bicudo (1998);
André Franco Montoro (in memorian - 1999);
Padre Júlio Lancellotti (2000);
Dalmo de Abreu Dallari, Plínio de Arruda Sampaio e Ranulfo de Melo Freire (2001);
Kenarik Boujikian Felippe (2002);
Fermino Fecchio (2003);
Goffredo da Silva Telles Junior (2004);
Abdias Nascimento (2005);
APAE (2006);
Marco Aurélio Mello (2007);
Gilmar Mendes (2008);
Idibal Pivetta (2009).