terça-feira, 10 de março de 2009

Juíza obriga OAB a conceder registro a 6 bacharéis sem aprovação em exame


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghTisz4GMFDvcpvOR9WP2w9eVnnE2BLvqzACYSncIeNQJdQIUjGEWQ3ZcmC_DuCrML6AwwkDdsYl6Cp9C6sCswF4eidqJ_jLIFfdKa4yVFrV_hTarnOodnBPsNIHBb208g7u0yMOrjp4Y/s1600-r/LOGO+MNBD+RIO+GRANDE+DO+SUL.jpg

A Juíza da 23ª Vara Federal, Dra. Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, determinou em mandado de segurança impetrado por 6 autores, que a OAB se abstenha de exigir destes a aprovação no exame da Ordem dos Advogados para fins de concessão de registro profissional.

Em sua decisão, a Juíza considera inconstitucional a exigência de aprovação em exame de ordem. “Ora, a Carta Magna limita o direito ao exercício da profissão à qualificação profissional fixada em lei. Qualificação é ensino, é formação. Neste aspecto, o exame de ordem não propicia qualificação nenhuma e como se vê das recentes notícias e decisões judiciais reconhecendo nulidade de questões dos exames (algumas por demais absurdas), tampouco serve como instrumento de medição da qualidade do ensino obtido pelo futuro profissional” estabelece a decisão.

Fonte: Editora Magister


A INCONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM

1. Ensino superior e qualificação para o trabalho

A Constituição Federal é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. É dela que deriva toda e qualquer autoridade, até mesmo a da OAB. Somente a Constituição Federal pode delegar poderes e competências políticas. A Constituição Federal consagra, no inciso XIII do art. 5º (cláusula pétrea), a liberdade de exercício profissional, que somente pode ser limitada por uma lei, que poderá exigir determinadas qualificações profissionais. Em diversos outros dispositivos, a Constituição Federal dispõe que a função de qualificar para o trabalho compete às instituições de ensino e que a avaliação e a fiscalização do ensino competem ao Estado, e não, evidentemente, à OAB. De acordo com o art. 205 da Constituição Federal, a educação tem como uma de suas finalidades a qualificação para o trabalho. O ensino é livre à iniciativa privada e cabem ao Poder Público a autorização para a abertura e o funcionamento dos cursos e a avaliação de sua qualidade.

Assim, o estudante dos cursos jurídicos é qualificado para o exercício da advocacia e tem essa qualificação certificada, de acordo com a legislação vigente, pelo reitor de cada universidade, através de um diploma. Nenhuma outra instituição tem competência para qualificar os bacharéis ao exercício de suas profissões, nem mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil. Por expressa delegação do Estado brasileiro (art. 207 da Constituição Federal de 1.988 e Lei 9.394/96, art. 53, VI), somente os cursos jurídicos detêm a prerrogativa legal de outorgar ao aluno o diploma de Bacharel em Direito, que certifica a sua qualificação para o exercício da advocacia.


2. Inconstitucionalidade formal do Exame de Ordem

A Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem), em seu art. 8º, exigiu, para a inscrição do bacharel na Ordem dos Advogados, a aprovação em Exame de Ordem. Disse, ainda, no §1º desse artigo, que o Exame de Ordem seria regulamentado pelo Conselho Federal da OAB. Esses dispositivos são inconstitucionais, tanto formal como materialmente.

Assim, o Exame de Ordem não foi criado por lei, mas por um Provimento do Conselho Federal da OAB. Evidentemente, apenas a Lei poderia estabelecer as qualificações necessárias ao exercício profissional, conforme previsto pela Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII. Além disso, o Conselho Federal da OAB não tem competência para regulamentar as leis, como pode ser observado pela simples leitura do art. 84, IV, da Constituição Federal. De acordo com esse dispositivo, compete privativamente ao Presidente da República regulamentar as leis, para a sua fiel execução. Assim, a Lei nº 8.906/94 é também inconstitucional, neste ponto, porque não poderia atribuir ao Conselho Federal da OAB a competência para regulamentar o Exame de Ordem. Conseqüentemente, o Provimento nº 109/2.005, do Conselho Federal da OAB, que atualmente dispõe sobre o Exame de Ordem, é inconstitucional. Trata-se, no caso, especificamente, de uma inconstitucionalidade formal, porque não compete ao Conselho Federal da OAB o poder de regulamentar as leis federais. Ressalte-se que essa inconstitucionalidade, que prejudica os bacharéis reprovados no exame de ordem, atinge direito fundamental, constante do "catálogo" imutável (cláusula pétrea) do art. 5º da Constituição Federal, com fundamento, tão-somente, em um Provimento (ato administrativo), editado pelo Conselho Federal da OAB. Como se sabe, nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia ser tendente a abolir uma cláusula pétrea (Constituição Federal, art. 60, §4º).


3. Inconstitucionalidade material do Exame de Ordem

Mas além dessa inconstitucionalidade formal, o Exame de Ordem é materialmente inconstitucional, contrariando diversos dispositivos constitucionais e atentando contra os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do livre exercício das profissões e contra o próprio direito à vida.

3.1. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao impedir o exercício da advocacia e o direito de trabalhar, aos bacharéis qualificados pelas instituições de ensino fiscalizadas pelo Estado, ferindo assim o disposto nos incisos III e IV do art. 1° da Constituição Federal, que consagram como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

3.2. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da igualdade, porque qualquer bacharel, no Brasil – exceto, naturalmente, o bacharel em Direito -, pode exercer a sua profissão (médicos, engenheiros, administradores, etc.), bastando para isso solicitar a inscrição no conselho correspondente. O bacharel em Direito é o único que está sujeito a um Exame de Ordem. Evidentemente, as funções desempenhadas pelo advogado são muito importantes, como costumam afirmar os dirigentes da OAB, porque o advogado defende a liberdade e o patrimônio de seus clientes. No entanto, apenas para exemplificar, ao médico compete salvar vidas, enquanto que o engenheiro incompetente poderia causar um enorme desastre, como a queda de um prédio, com a perda, também, de inúmeras vidas e de bens patrimoniais. Mesmo assim, não existe Exame de Ordem para médicos, nem para engenheiros. O Exame de Ordem da OAB viola, portanto, o princípio constitucional da igualdade, porque atinge apenas os bacharéis em Direito, sem que para isso exista qualquer justificativa. Ressalte-se, ainda, que o próprio Congresso Nacional, que aprovou o Estatuto da OAB, prevendo a realização do Exame de Ordem apenas para os bacharéis em Direito, tipificou como crime o exercício ilegal da profissão de médico, dentista ou farmacêutico (Código Penal, art. 282), mas considerou uma simples contravenção penal o exercício ilegal de qualquer outra profissão regulamentada, inclusive a advocacia (Lei das Contravenções Penais, art. 47). Reconheceu, portanto, indiretamente, para o exercício da medicina por alguém inabilitado, a maior possibilidade de dano ao interesse público, mas autorizou, apesar disso, a realização do Exame de Ordem apenas para os bacharéis em Direito, aprovando o anteprojeto do Estatuto da Ordem dos Advogados, elaborado pela própria OAB.

3.3. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional do livre exercício das profissões, consagrado no art. 5º, XIII, verbis: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer." De acordo com esse dispositivo, o profissional já qualificado, pelas instituições de ensino superior, não poderia ser obrigado a submeter-se ao Exame de Ordem da OAB, como condição para a inscrição no Conselho e para o exercício da advocacia. O texto constitucional, ressalte-se, utiliza a expressão qualificações profissionais que a lei estabelecer e não exames estabelecidos em lei. A qualificação profissional, como já foi dito, é feita pelas instituições de ensino jurídico, reconhecidas pelo Poder Público. De acordo com o art. 43 da Lei de Diretrizes de Bases da Educação (Lei 9.394/96), a educação superior tem a finalidade de formar "diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais". Ressalte-se, ainda, que o art. 48 dessa mesma Lei dispõe que "Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular". Não resta dúvida, portanto, de que os bacharéis em Direito não poderiam ser impedidos de exercer a sua profissão, em decorrência da exigência inconstitucional da OAB. O Exame de Ordem, que pretende avaliar as qualificações profissionais dos bacharéis em Direito, é inconstitucional, portanto, porque invade a competência da Universidade, para qualificar, e a do Estado, através do MEC, para avaliar.

3.4. O Exame de Ordem atenta, finalmente, contra o princípio constitucional do direito à vida, porque esse direito não se refere, apenas, à possibilidade de continuar vivo, mas também à necessidade de prover a própria subsistência, através do exercício de sua profissão, para a qual o bacharel se qualificou, durante cinco anos, em um curso superior, autorizado, fiscalizado e avaliado pelo Estado. Assim, o Exame de Ordem, ao atentar contra a liberdade de exercício profissional, atenta, também, contra o próprio direito à vida, do bacharel em Direito.


4. As justificativas da OAB

Demonstrada, assim, sobejamente, a inconstitucionalidade do Exame de Ordem, formal e material, não se entende por que a OAB, que nos termos do art. 44 de seu Estatuto (Lei 8.906/94), tem a missão de defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, continua defendendo, ao contrário, intransigentemente, o Exame de Ordem, como necessário e indispensável, para a avaliação da capacidade profissional de todos os bacharéis em Direito.

Em suas manifestações, até esta data, os dirigentes da OAB não têm conseguido justificar, juridicamente, a existência do Exame de Ordem. Dizem eles, apenas, essencialmente, que: (a) ocorreu uma enorme proliferação de cursos jurídicos, no Brasil, o que é a mais absoluta verdade; (b) o ensino jurídico, em muitos casos, é extremamente deficiente, o que também é verdade; (c) a OAB tem competência para avaliar os cursos jurídicos, o que é falso, porque a avaliação da qualidade do ensino compete ao Poder Público, nos termos do art. 209, II, da Constituição Federal; (d) a OAB tem a obrigação de afastar os maus profissionais, o que também é verdade, mas apenas na fiscalização do exercício da advocacia, o que envolverá também as questões éticas, ou seja, a deontologia profissional.

Portanto, se o MEC não fiscaliza corretamente os cursos superiores, como costumam alegar os dirigentes da OAB, isso não justifica, juridicamente, a transferência de sua competência para a OAB, através do Exame de Ordem e, também, através do veto à abertura de novos cursos jurídicos, e isso é tão evidente que dispensa qualquer tipo de comprovação.

Afinal de contas, os dirigentes da OAB não aceitariam que algum outro órgão pudesse fiscalizar o exercício profissional dos advogados, alegando que a OAB não está desempenhando corretamente as suas atribuições. Da mesma forma, é evidente, também, que as atribuições do Judiciário não poderiam ser desempenhadas por um outro poder, ou pela própria OAB, para que se pudesse evitar a procrastinação dos feitos. O absurdo é tão gritante, que custa crer que os dirigentes da OAB, até esta data, ainda afirmem que o Exame de Ordem é indispensável, porque o MEC não fiscaliza corretamente os cursos jurídicos.

Outra alegação que costuma ser feita, pelos defensores do Exame de Ordem, é a de que os cursos jurídicos "formam bacharéis e que o Exame de Ordem forma advogados". No entanto, essa afirmação não tem cabimento, também, porque, de acordo com os diversos dispositivos constitucionais, e os da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, já citados, é evidente que a qualificação para o trabalho, em qualquer área, decorre da formação profissional, adquirida através do ensino, em uma instituição de nível superior e que somente o ensino qualifica para o trabalho, e não o Exame de Ordem da OAB. A ela, cabe apenas a fiscalização do exercício profissional, e não a seleção dos bacharéis formados em nossos cursos jurídicos.

Na mesma linha da alegação anterior, há quem afirme, também, que o Exame de Ordem é um concurso público, tendo em vista que o advogado exerce "função pública", sendo indispensável à administração da Justiça, nos termos da Constituição. Nada mais falso, evidentemente, porque o advogado exerce uma profissão liberal e a exigência de um concurso público somente teria cabimento quando se tratasse do provimento de cargos ou empregos públicos. Assim, se o Exame de Ordem fosse um concurso público, o bacharel em Direito, uma vez aprovado pela OAB, nesse exame, passaria a exercer um cargo público, ou um emprego público, remunerado pelos cofres públicos. Afinal, é para isso que servem os concursos públicos.

Há quem diga, finalmente, que ainda não houve uma decisão judicial declarando a inconstitucionalidade do Exame de Ordem e que, por esse motivo, ele é válido e constitucional. Esse é outro argumento absurdo, porque a propositura da ação não tem nada a ver com o debate jurídico. Mesmo que o STF, por pressão da OAB, talvez, julgasse improcedente uma ADIN nesse sentido e dissesse que o Exame de Ordem é constitucional, poderíamos continuar discutindo o assunto e dizendo que o Exame é inconstitucional. Felizmente, a opinião doutrinária, neste país, ainda é livre. Ainda não inventaram, para isso, uma súmula vinculante, que possa nos impedir de pensar e de manifestar a nossa opinião.


5. A Ordem dos Advogados deveria defender a Constituição

A Ordem dos Advogados, tendo natureza pública, precisa ser transparente, em sua atuação, e precisa responder, honestamente, às críticas que recebe, tentando, ao menos, justificar juridicamente o seu Exame de Ordem. É o mínimo, que dela se pode esperar. É impossível, mesmo para a Ordem dos Advogados, impor, arbitrariamente, as suas decisões, prejudicando milhares de advogados, de bacharéis, ou a própria sociedade, sem que para isso exista plausível fundamentação jurídica.

A Ordem, que sempre foi um baluarte em defesa da democracia, não pode ser titular de um poder absoluto, que não admita qualquer necessidade de justificação e que não aceite qualquer controle. Se a Ordem não for capaz de justificar juridicamente as suas decisões e o seu Exame de Ordem, ela perderá, cada vez mais, a sua credibilidade e a sua razão de ser, mesmo que a mídia a auxilie, de maneira extremamente eficaz, divulgando as suas manifestações e impedindo a divulgação das críticas.

Se os dirigentes da OAB não forem capazes de justificar juridicamente o Exame de Ordem, contestando, uma a uma, as razões acima enumeradas, deveriam, evidentemente, mudar de opinião, reconhecer a sua inconstitucionalidade e cessar esse atentado contra a liberdade de exercício profissional da advocacia. Dessa maneira, estariam cumprindo a disposição do art. 44 de nosso Estatuto, já referida, porque incumbe à OAB a defesa da Constituição. O próprio advogado, em seu juramento (art. 20 do Regulamento Geral da Advocacia e da OAB, de 16.11.94), promete defender a Constituição.

Ressalte-se, ainda, que a insistência na defesa do Exame de Ordem, apesar de sua inconstitucionalidade, não estaria em consonância com as disposições do art. 2º de nosso Código de Ética, que foi instituído pelo próprio Conselho Federal da OAB e que reconheceu, em seu prêambulo, como um de seus princípios básicos, que o advogado deve lutar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais, etc.

A Ordem dos Advogados deveria, portanto, defender a Constituição, intransigentemente, sempre, mesmo que para isso fosse preciso sacrificar, eventualmente, alguns interesses corporativos. Em nenhuma hipótese, poderiam os dirigentes da Ordem dos Advogados elaborar anteprojetos de lei que contrariam a Constituição Federal, ou defender, no Legislativo e no Judiciário, interesses corporativos, em detrimento do respeito devido à Constituição Federal.


6. A necessidade de transparência

Mesmo que fosse constitucional o Exame de Ordem, ele não poderia ser aplicado sem a necessária TRANSPARÊNCIA e sem qualquer controle externo. Não se sabe, até hoje, quais são os critérios adotados, se é que eles existem, e a Ordem está pretendendo unificar esse exame, nacionalmente, com certeza para evitar as enormes disparidades que têm ocorrido, com reprovações maciças em alguns Estados e altos índices de aprovação, em outros.

Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados fiscalize todo e qualquer concurso jurídico; que ela participe, com dois advogados, por ela própria escolhidos, do Conselho Nacional de Justiça, que controla a magistratura; que, da mesma forma, ela participe do Conselho Nacional do Ministério Público, que controla os membros do "parquet"; e, no entanto, ninguém possa controlar o seu Exame de Ordem, que é capaz de afastar, anualmente, do exercício da advocacia, cerca de 80.000 bacharéis, que concluíram o seu curso jurídico em instituições reconhecidas e credenciadas pelo Poder Público, pelo Estado brasileiro, através do MEC.

Aliás, por mais absurdo que possa parecer, de acordo com o art. 3º do Provimento nº 109/2.005, as Comissões do Exame de Ordem, das diversas seccionais da OAB, podem ser integradas por advogados que nunca tiveram qualquer experiência didática. Esse dispositivo, que dispensa comentários, exige que os membros dessas Comissões, que avaliam todos os bacharéis em Direito formados no Brasil, e que impedem o exercício da advocacia pelos candidatos reprovados, ou seja, mais de 80% do total, tenham cinco anos de inscrição na OAB e, preferencialmente – preferencialmente, apenas -, experiência didática.


7. Considerações finais.

Em suma: o Exame de Ordem é inconstitucional, porque contraria as disposições dos arts. 1º, II, III e IV, 3º, I, II, III e IV, 5º, II, XIII, 84, IV, 170, 193, 205, 207, 209, II e 214, IV e V, todos da Constituição Federal. Além disso, conflita com o disposto no art. 44, I da própria Lei da Advocacia (Lei n° 8.906/94). E, finalmente, descumpre, também, disposições contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9.394/96), em especial, as constantes dos arts. 1º, 2º, 43, I e II, 48 e 53, VI.

Não resta dúvida de que o ensino, no Brasil, é deficiente, e de que existe uma verdadeira proliferação de cursos jurídicos – e de tantos outros – sem o mínimo de condições para a formação de bons profissionais.

No entanto, isso não autoriza a OAB a fiscalizar os cursos universitários, nem a fazer um exame, para supostamente avaliar os bacharéis, e para impedir o exercício profissional dos candidatos reprovados.

Não cabe à OAB aferir os conhecimentos jurídicos dos bacharéis. Isso é função exclusiva das universidades, que deveriam ser fiscalizadas, com todo o rigor, pelo MEC, para que não se pudesse dizer, depois de concluído o curso, que a formação dos bacharéis é deficiente.

Ressalte-se, mais uma vez, que não se pretende defender, aqui, a proliferação desordenada de cursos jurídicos de baixa qualidade, mas não resta dúvida de que a Constituição e a lei atribuíram ao Estado, através do MEC, a fiscalização e a avaliação da qualidade desses cursos, e não à OAB, ou a qualquer outra corporação profissional.

O Exame de Ordem não é capaz de avaliar se os candidatos têm, realmente, condições de exercer a advocacia, o que envolve uma série de fatores, e não, apenas, o conhecimento da legislação, que é cobrado, preferencialmente, em provas mal elaboradas, que costumam privilegiar a capacidade de memorização, em vez do entendimento, da crítica e da síntese. Observa-se, também, que, na segunda etapa, costumam ser cobradas questões práticas, tão específicas e raras, que inúmeros advogados militantes, com largo tirocínio, seriam incapazes de resolvê-las, no período da prova e sem o acesso a qualquer material de consulta.

Além disso, a correção das provas - que não admite qualquer fiscalização externa, como também não existe a fiscalização, em sua elaboração -, deixa margem a um alto grau de subjetividade, o que permite a prática de inúmeras injustiças, reprovando os mais competentes e aprovando os incapazes, ou aqueles que se presume que seriam incapazes, para o exercício da advocacia.

O Exame de Ordem tem sido usado, pela OAB, como instrumento para aumentar o seu poder e para impedir o ingresso de novos advogados no mercado de trabalho, que se alega já estar saturado.

Nenhum conselho de fiscalização profissional poderia pretender restringir o direito ao trabalho dos novos bacharéis, sob a alegação de que o mercado já está saturado. Esse é um outro problema, que não pode ser resolvido dessa maneira, por um motivo muito simples, de estatura constitucional, o de que todos são iguais perante a lei. Não se pode restringir o exercício profissional dos novos advogados, para resguardar o mercado de trabalho dos advogados antigos.

Está sendo fundada, em São Paulo, a Associação Brasileira de Bacharéis em Direito, destinada a combater, entre outras coisas, o Exame de Ordem da OAB.

Os direitos do povo são mais importantes do que os lucros dos legisladores, dos governantes, dos políticos, dos juízes e dos advogados. São mais importantes, também, do que qualquer interesse corporativo. O Governo, as Casas Legislativas, os Tribunais e a própria Ordem dos Advogados do Brasil existem, na verdade, apenas para servir o povo, e não para atender aos interesses egoístas de qualquer minoria privilegiada. Ou, pelo menos, assim deveria ser, se a Constituição fosse respeitada.

O Regulamento Geral da Ordem dos Advogados do Brasil, aprovado há quase dez anos, em novembro de 1994, pelo seu Conselho Federal, é inteiramente inconstitucional. São 158 artigos nulos, que de acordo com a melhor doutrina nunca existiram, e que tratam dos mais diversos assuntos, desde o exercício da advocacia, as prerrogativas e os direitos dos advogados, a inscrição na OAB, o estágio, a cobrança das anuidades e taxas, até a fiscalização dos cursos jurídicos, o exame de ordem e as eleições para os conselhos dessa autarquia corporativa.

O Regulamento Geral é inconstitucional porque foi elaborado pelo Conselho Federal da Ordem, que não teria competência para regulamentar a Lei nº 8906, de 04.07.1994, exatamente o Estatuto da Advocacia, porque compete privativamente ao Presidente da República, de acordo com a Constituição Federal (art. 84, IV), expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.

É verdade que a Lei nº 8906/94 disse, em seu art. 54, V, que compete ao Conselho Federal da OAB "editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina e os provimentos que julgar necessários", e que o art. 78 dessa mesma Lei determinou que "Cabe ao Conselho Federal da OAB, por deliberação de dois terços, pelo menos, das delegações, editar o regulamento geral deste Estatuto, no prazo de seis meses, contados da publicação desta lei".

No entanto, é evidente que esses dispositivos do Estatuto da OAB conflitam frontalmente com a norma constitucional, do art. 84, IV, que atribuiu privativamente ao Presidente da República o poder de regulamentar as leis federais. Além disso, cabe esclarecer que nem mesmo o Presidente da República poderia delegar esse poder que lhe é constitucionalmente atribuído, haja vista que o parágrafo único do mesmo art. 84 estabelece que o Presidente poderá delegar aos Ministros de Estado, ao Procurador Geral da República ou ao Advogado Geral da União, as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII, e XXV, primeira parte, desse artigo. Não se refere, portanto, ao poder regulamentar, constante do inciso IV, nem se refere, muito menos, à Ordem dos Advogados.

É princípio inconteste, em nosso ordenamento jurídico, a supremacia constitucional, de modo que, ocorrendo o conflito entre a norma constitucional e a Lei 8906/94 (arts. 54, V e 78), que pretendeu atribuir ao Conselho Federal da OAB uma competência que é privativa do Presidente da República, não resta outra solução: a norma infraconstitucional não poderá produzir efeitos jurídicos. Por essa razão, é nulo e de nenhum efeito todo o Regulamento Geral da OAB, aprovado em 1994 pelo Conselho Federal, em obediência a essas normas inconstitucionais do Estatuto da OAB.

Mas como seria possível que, durante dez anos, fossem aplicadas essas normas inconstitucionais, sem que nenhuma providência fosse tomada? Não foi a primeira, nem será a última vez. Ocorre que somente o Judiciário, se provocado através da propositura de uma ação, poderia decidir a respeito dessa inconstitucionalidade, e até mesmo retirar da ordem jurídica os dispositivos que conflitam com a Constituição Federal, provavelmente depois de alguns anos de tramitação processual, devido à tradicional morosidade de nossa Justiça. No Supremo Tribunal Federal, apenas para que se tenha uma idéia, existem mais de mil ações diretas de inconstitucionalidade aguardando julgamento, além dos outros milhares de processos que congestionam esse Órgão. Por essa razão, como tem ocorrido em inúmeros outros casos, a nossa Constituição se torna inefetiva, porque costumam prevalecer, durante décadas, as normas inconstitucionais. A Constituição se torna letra morta, porque a nossa jurisdição constitucional tem sido incapaz de impedir os freqüentes atentados contra a sua supremacia.

No entanto, em pelo menos uma oportunidade, a questão já foi levada até o Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.194, ajuizada em 1.996, pela Confederação Nacional da Indústria, que argüiu a inconstitucionalidade de diversos dispositivos do Estatuto da Advocacia, entre eles o do art. 78, que pretendeu transferir o poder regulamentar ao Conselho Federal da OAB. O Supremo julgou inconstitucionais alguns desses dispositivos, mas acatou a preliminar de ilegitimidade ativa da Confederação Nacional da Indústria, em relação ao art. 78, por falta de pertinência temática. Em outras palavras: devido a certos detalhes técnico-processuais, o Supremo se negou a examinar o art. 78 do Estatuto da OAB, para decidir se ele é ou não inconstitucional, porque a Confederação da Indústria somente poderia argüir a inconstitucionalidade desse artigo se ficasse comprovada a pertinência temática, isto é, a existência de uma relação entre a norma impugnada e as atividades da requerente.

Apesar disso, todos sabem que essa norma é inconstitucional, assim como a do art. 54, V, também do Estatuto, porque nenhuma lei poderia atribuir ao Conselho Federal da OAB uma competência, a de regulamentar as leis, que é privativa do Presidente da República, de acordo com o art. 84, IV, da Constituição Federal, e todos sabem, também, que o Regulamento Geral é nulo, porque não poderia ter sido aprovado pelo Conselho Federal da OAB.

É estranho que a própria OAB, que também deveria saber dessa inconstitucionalidade, tenha preferido utilizar a competência que lhe foi irregularmente atribuída, ao em vez de defender a Constituição, conforme previsto no art. 44 de nosso Estatuto.


Fonte: Jus Navigandi