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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Um ano na vidraça em mês tenso na PMERJ

O mês em que o coronel Mário Sérgio Duarte completa um ano como comandante-geral da Polícia Militar  do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) foi marcado por tragédias envolvendo a corporação. A mais emblemática delas foi a morte de Wesley Gilber Rodrigues de Andrade, 11 anos, atingido por uma bala perdida dentro de um Ciep em Costa Barros durante operação da PM. A corregedoria apura o que deu errado na ação que o oficial classifica como “grande fiasco”. Outro caso foi o de policiais acusados de tentar extorquir o motorista que atropelou o filho da atriz Cissa Guimarães. Enquanto isso, o comandante coloca em prática seus planos para aprimorar a corporação. Ele já devolveu às ruas 2.200 PMs que estavam em outras funções, ganhou quase 3 mil novos soldados e modificou o concurso da instituição.

O que deu errado na operação que acabou com a morte de Wesley?


Mário Sérgio: Se o risco dessa operação acabou se confirmando com a morte de uma criança, é lógico que a operação foi um grande fiasco. Não significa que não houve cuidado no planejamento, mas a operação deu errado. Então vamos ver o que faltou. Na terça-feira anterior, tinha reunido comandantes dos chefes operacionais especiais para reiterar nossa política, porque uma grávida inocente havia sido baleada. Ninguém hoje na Polícia Militar pode dizer que não conhece nossa política.


Aquela operação não deveria ter sido feita?

Mário Sérgio: Isso a investigação vai nos dizer. Se há uma escola que fica na linha de tiro por onde você vai entrar, não se entra por ali. Esse é um dos pontos da nossa investigação. Se a passarela onde os policiais estavam, em frente à escola, deixava o local em risco, é um fator de erro. Mas Costa Barros faz parte das considerações para receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Não posso garantir quando. Temos uma boa política de combate ao narcotráfico, mas de combate para a pacificação.

Tem como delimitar um raio de não-atuação da PM perto de escolas?

Mário Sérgio: É complicado. Às vezes, a escola está distante, mas na direção do tiro. A análise tem que ser pontual. Um tiro de fuzil chega a três quilômetros.


Como prevenir acidentes?

Mário Sérgio: Agora vou acompanhar tudo mais de perto. É claro que não dá para saber detalhes de todas as operações, mas quero saber quando vão ocorrer, os objetivos e recomendar cuidados.

E o caso do filho da atriz Cissa Guimarães?


Mário Sérgio: Nos causou uma grande indignação. Estou envergonhado. Os detalhes dos depoimentos são estarrecedores. Não é isso que esperamos dos integrantes de nossa instituição. Havia indício de que o carro estava envolvido no acidente, eles (PMs) deveriam ter pego o rádio e avisado que havia um carro naquela situação. Fomos até o extremo que a lei permite. Mandei prendê-los.

Como o senhor conseguiu colocar 2.200 policiais nas ruas sem fazer concurso?


Mário Sérgio: Havia pessoas desviadas para funções internas e estruturas administrativas com efetivo de batalhão. Também alguns serviços, como alguns Postos de Policiamento Comunitário (PPC) nas favelas, já não eram mais efetivos. Não fazia nenhuma diferença 3 ou 4 policiais por dia numa área de mais de 100 criminosos fortemente armados. No total, davam mais de 400 homens que poderiam estar nas ruas.

E o que o senhor via que precisava ser mudado?


Mário Sérgio: A Polícia Militar havia se transformado numa estrutura de poder preterindo aquilo que deve ser a corporação, que é uma estrutura de prestação de serviço público. Ela tinha se tornado aparentemente ausente das ruas. Tínhamos que devolver a ostensividade da Polícia Militar. A polícia tem o dever de ser vista para dissuadir o criminoso. Os índices de criminalidade estavam crescendo de uma forma estratosférica. Isso me incomodava muito porque vários daqueles índices estavam ligados à ação da polícia de prevenção.

Por que reformular o concurso para a PM? 
 
Mário Sérgio: Abríamos concurso para 4 mil pessoas e não conseguíamos selecionar. Tinha um exame de matemática que derrubava muito, exames psicológicos com exigências inadequadas. Nosso saber tem que ser sustentado na antropologia, na ciência política, na filosofia.

O senhor encontrou mais dificuldade em organizar a parte administrativa ou operacional ?

Mário Sérgio: A administrativa. A gente quer trazer novidades e os policiais, em todos os níveis, acreditam que mexer nisso é mexer na essência da corporação. Eles precisam entender que estamos mexendo só naquilo que pode. Temos grandes eventos pela frente, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e precisamos evoluir. Temos que arrumar a casa hoje e também preparar a instituição para o futuro.

O senhor sofreu muitas críticas promovendo essas mudanças?


Mário Sérgio: Sofro e acho natural. A maior foi a disciplinar, quando determinamos que o homem não deveria ser preso por qualquer coisa, só em ocasiões muito especiais. Prendia-se por qualquer motivo.

Qual é o maior problema da corporação?

Mário Sérgio: É o desvio de conduta. O policial trabalha tão próximo do crime que muitas vezes agrega os valores do criminoso. Criamos um filme e uma peça com policiais que foram expulsos por desvio de conduta. Eles serão apresentados nos quartéis. O policial também precisa ser tratado. Tem que cobrar, mas dizer da sua importância para a sociedade. Por mais que você prepare um homem, você não tira os impulsos dele. Ele não é um robô. A gente expulsa, prende e mesmo assim isso acontece. A maioria dos soldados é afastada por problemas psiquiátricos, muitos adquiridos durante o serviço. Por isso, estamos aumentando o quadro de psicólogos e os PMs serão submetidos a testes constantes. Um outro compromisso é modernizar a corregedoria. Em 60 dias, ela vai para o antigo Laboratório Industrial Farmacêutico em São Gonçalo. Lá, vão funcionar comissões disciplinares que não ficarão mais nos batalhões. É preciso mais independência na hora do julgamento.

Qual foi o seu pior momento até agora no comando?

Mário Sérgio: O pior e de maior dor foi o episódio do helicóptero. Eu estava em casa, havia escutado os tiros e comecei a fazer contato com o pessoal da área. Quando chegou a notícia que dois policiais haviam morrido foi muito difícil. É algo que a gente acredita que nunca mais vai acontecer. O Rio já vive um momento muito diferente.

O senhor apontaria algum erro de sua gestão?

Mário Sérgio: Sim. Errei quando pensei em extinguir o Grupamento Especial de Policiamento em Estádios. E também ao nomear comandantes que acabaram se tornando complicadores.

Salário é um dos problemas da corporação. Mês passado houve um reajuste.
 
Mário Sérgio: Ganhamos também algumas gratificações. A primeira negociação foi tensa. Essa última foi exaustiva mas saímos satisfeitos. Pensávamos que fôssemos iniciar 2011 tendo que negociar salário.
Comando Geral: uma Operação Especial

Quem tem noção do que é um Curso de Operações Especiais, daquele que ficou famoso no filme Tropa de Elite, sabe o peso que tem a afirmação de um dos seus concluintes ao dizer quais foram os “piores dias da sua vida”. Foi o que afirmou o atual Comandante Geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ), Coronel Mário Sérgio Britto Duarte, Caveira nº 37 do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE): “Os dez dias que sucederam a queda do helicóptero da Polícia Militar foram os piores da minha vida”. A afirmação está publicada na atual edição da Revista PODER Joyce Pascowitch, numa matéria de capa, onde o Comandante da Corporação Policial mais visada do Brasil é entrevistado e mostrado sob um viés humano e confidencial – mérito do jornalista Rodrigo Levino e do fotógrafo João Wainer.
 Além de tratar da recente crise por que passou na PMERJ, o Coronel é provocado a propor soluções para a insegurança no Rio. “Não basta coibir, é preciso ocupar até que não haja nenhum bandido”. Em contraposição, a pesquisadora Silvia Ramos, do CESeC, afirma na matéria que “Quando dizem que a ‘polícia invadiu tal morro’, as pessoas reforçam a ideia de que o morro é outro mundo, outro país, quando na verdade é parte da cidade”. Mas Silvia admite que o grau de dominação do crime nessas localidades é tão alto que a “ocupação” é necessária: “O custo para que isso se realize com o menor número de mortes possível – e a polícia sabe como proteger inocentes, basta treinar todos os seus homens como treina as forças especiais – é alto, mas parece o único meio de tirar o Rio das mãos dos bandidos”.
A matéria da PODER deve ser lida por mostrar o Comandante Geral de uma PM em várias dimensões, a pessoal, a política, a profissional, a familiar, acadêmica etc. Tudo isso em apenas três páginas de texto. Jorge termina o texto com palavras de uma lucidez extraordinária:

Sou testemunha da honestidade do atual comandante desde que o conheci há cerca de 14 anos. Apesar da distância que me foi imposta pelos afazeres do novo cargo (nesse período só estive com ele duas vezes), continuo acreditando que Mário Sérgio tem procurado dar o melhor de si à frente dessa máquina de triturar corações e mentes de seus próprios soldados, que é a PM do Rio. A questão é saber se isso basta. E até quando as instituições policiais e a própria segurança pública do Rio estarão à mercê apenas de homens e de suas melhores intenções.