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sábado, 31 de julho de 2010

Homicídio sem corpo: uma discussão polêmica

Caso Bruno reacende debate sobre condenação de acusados sem localização do cadáver
Há 37 dias, o desaparecimento de Eliza Samudio movimenta a opinião pública. Apesar do choque provocado pelo relato do menor J., 17 anos, sobre a forma cruel como a jovem teria sido executada pelo ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Neném, uma polêmica cerca o caso: é possível condenar os acusados se o corpo da jovem não foi encontrado? A questão reacende um discussão jurídica.

O argumento sustentado por Ércio Quaresma, que defende o goleiro e outros cinco acusados, de que não havendo corpo não há crime, já absolveu muitos réus. No entanto, juristas afirmam que o fato de o cadáver não aparecer não significa que um homicídio fique impune. Mas, para isso, a polícia precisa de provas materiais da presença de Eliza no sítio de Neném, suposto local da execução.

“Não é preciso o corpo para haver crime, é preciso corpo de delito. Ou seja, um conjunto de vestígios materiais de um crime. Se for o corpo da vítima, melhor. Mas servem também outros elementos, como sangue e ossos. A materialidade pode ser comprovada de forma indireta, através dos indícios, depoimentos e de provas técnicas”, explica o procurador Marcos André Chut, da 56ª Procuradoria do Ministério Público Estadual.

Os especialistas ressaltam que, na ausência de qualquer prova material da morte da vítima, o Código de Processo Penal autoriza que depoimentos testemunhais embasem o indiciamento dos suspeitos. “O argumento de que sem corpo não há crime é do século 19 e foi regra naquela época”, ressalta Luiz Flávio Gomes, mestre em Direito Penal.

Segundo o advogado, a utilização de alta tecnologia na investigação policial tem sido fundamental na elaboração de provas e ajuda a minimizar dúvidas quanto a culpa ou não do acusado. “Casos que no passado, apesar de culpado, o réu acabou absolvido já não fazem parte da nossa realidade”, frisa.

Ano passado, o promotor Homero das Neves denunciou por homicídio doloso quatro PMs suspeitos do desaparecimento da engenheira Patrícia Amieiro, em 2008. A denúncia foi aceita pela Justiça, e o julgamento deve ocorrer este mês.

“No caso do Bruno, há relatos de como foi a execução. A jovem está desaparecida, o sangue dela foi encontrado no carro, os rastreamentos telefônicos e do GPS revelam que todos estavam juntos e que Eliza esteve com eles. Logo depois a moça desaparece e o filho é encontrado abandonado. A melhor via para mostrar a existência de um homicídio não é só pela presença do cadáver. Os indícios, os depoimentos e os laudos periciais bastam”, analisa o promotor Alexandre Joppert, do Tribunal do Júri de Niterói.


Dana de Teffé, outro caso emblemático

Assim como no caso de Eliza, em 1960, o desaparecimento de Dana de Teffé mexeu com o imaginário popular. Dana teria sido assassinada por Leopoldo Heitor de Andrade, seu próprio advogado e com quem supostamente tinha um caso. No entanto, Leopoldo foi absolvido no banco dos réus alegando a falta do corpo, que até hoje não foi encontrado.

Situação parecida aconteceu em 1998, em São Paulo. No entanto, depoimentos de testemunhas foram suficientes para colocar atrás das grades o juiz Marco Antônio Tavares, 47 anos. Ele foi condenado a 13 anos e seis meses de prisão em regime fechado pelo assassinato da mulher, a professora Marlene Aparecida Moraes.

O corpo também nunca foi achado, mas o depoimento de um porteiro da faculdade onde Marlene estudava, que disse tê-la visto saindo com o juiz na noite anterior ao sumiço, e o de uma funcionária de um supermercado, que estava presente quando Marco Antônio comprou luvas cirúrgicas na véspera do crime, levaram à condenação do magistrado. No local do suposto desaparecimento, a polícia encontrou as luvas.