domingo, 23 de agosto de 2009

Crime e Castigo


Tomo emprestado o título do romance do russo Dostoiévski, para comentar a multiplicação dos crimes nesta cultura torta, desde os pequenos "crimes" cotidianos – falta de respeito entre pais e filhos, maus-tratos a empregados, comportamento impensável de políticos e líderes, descuido com nossa saúde, segurança, educação – até os verdadeiros crimes: roubos, assaltos, assassinatos, tão incrivelmente banalizados nesta sociedade enferma. A crise de autoridade começa em casa, quando temos medo de dar ordens e limites ou mesmo castigos aos filhos, iludidos por uma série de psicologismos falsos que pululam como receitas de revista ou programa matinal de televisão e que também invadiram parte das escolas. Crianças e adolescentes saudáveis são tratados a mamadeira e cachorro-quente por pais desorientados e receosos de exercer qualquer comando. Jovens infratores são tratados como imbecis, embora espertos, e como inocentes, mesmo que perversos estupradores, frios assassinos, traficantes e ladrões comuns. São encaminhados para os chamados centros de ressocialização, onde nada aprendem de bom, mas muito de ruim, e logo voltam às ruas para continuar seus crimes.

Estamos levando na brincadeira a questão do erro e do castigo, ou do crime e da punição. A banalização da má-educação em casa e na escola, e do crime fora delas, é espantosa e tem consequências dramáticas que hoje não conseguimos mais avaliar. Sem limites em casa e sem punição de crimes fora dela, nada vai melhorar. Antes de mais nada, é dever mudar as leis – e não é possível que não se possa mudar uma lei, duas leis, muitas leis. Hoje, logo, agora! O ensino nas últimas décadas foi piorando, em parte pelo desinteresse dos governos e pelo péssimo incentivo aos professores, que ganham menos do que uma empregada doméstica, em parte como resultado de "diretrizes de ensino" que tornaram tudo confuso, experimental, com alunos servindo de cobaias, professores lotados de teorias (que também não funcionam). Além disso, aqui e ali grupos de ditos mestres passaram a se interessar mais por politicagem e ideologia do que pelo bem dos alunos e da própria classe. Não admira que em alguns lugares o respeito tenha sumido, os alunos considerem com desdém ou indignação a figura do antigo mestre e ainda por cima vivam, em muitas famílias, a dor da falta de pais: em lugar deles, como disse um jovem psicólogo, eles têm em casa um gatão e uma gatinha. Dispensam-se comentários.

Autoridade, onde existe, é considerada atrasada, antiquada e chata. Se nas famílias e escolas isso é um problema, na sociedade, com nossas leis falhas, sem rigor nem coerência, isso se torna uma tragédia. Não me falem em policiais corruptos, pois a maioria imensa deles é honrada, ganha vergonhosamente pouco, arrisca e perde a vida, e pouco ligamos para isso. Eu penso em leis ruins e em prisões lotadas de gente em condições animalescas. Nesta nossa cultura do absurdo, crimes pequenos levam seus autores a passar anos num desses lixões de gente chamados cadeias (muitas vezes sem sequer ter havido ainda julgamento e condenação), enquanto bandidos perigosos entram por uma porta de cadeia e saem pela outra, para voltar a cometer seus crimes, ou gozam na cadeia de um conforto que nem avaliamos.

Precisamos de punições justas, autoridade vigilante, uma reforma geral das leis para impedir perversidade ou leniência, jovens criminosos julgados como criminosos, não como crianças malcriadas. Ensino, educação e justiça tornaram-se tão ruins, tudo isso agravado pelo delírio das drogas fomentado por traficantes ou por irresponsáveis que as usam como diversão ou alívio momentâneo, que passamos a aceitar tudo como normal: "É assim mesmo". Muito crime, pouco castigo, castigo excessivo ou brando demais, leis antiquadas ou insuficientes, e chegamos aonde chegamos: os cidadãos reféns dentro de casa ou ratos assustados nas ruas, a bandidagem no controle; pais com medo dos filhos, professores insultados pela meninada sem educação. Seria de rir, se não fosse de chorar.

Por Lya Luft, escritora - Revista Veja, Edição n. 2123.